Foto: Gabriel Haesbaert (arquivo Diário)
Monumento do Imigrante, em Silveira Martins, inaugurado, em 1977. No local, os primeiros imigrantes do município acamparam, em 1877
A Quarta Colônia reúne um patrimônio histórico e cultural que foi construído, primordialmente, a partir da vinda de imigrantes italianos para o Rio Grande do Sul. Com o início da imigração deste grupo para a Região Central, em 1877, começa a se formar o território que, hoje, compreende nove municípios: Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Restinga Sêca, São João do Polêsine e Silveira Martins.
Mas, você sabe porque esta região é chamada de Quarta Colônia? Na busca por essa resposta, o Diário conversou com dois especialistas que explicaram, a partir de uma retrospectiva histórica, como foi adotada esta denominação.
A vinda dos imigrantes italianos
A imigração italiana para o Brasil passou a ser incentivada durante o período imperial (1822 – 1889). A partir de 1875, estes imigrantes começam a chegar no Rio Grande do Sul, mais especificamente, na Serra gaúcha. Nesta região, são criadas três colônias: Conde D’Eu (Garibaldi), Dona Isabel (Bento Gonçalves) e Campo dos Bugres (Caxias do Sul).
Já um quarto núcleo de imigração foi incentivado para a região central do Estado, nas terras pertencentes a Santa Maria da Boca do Monte. Na verdade, os primeiros que chegaram neste território foram os russos-alemães, de origem polonesa, que acabaram não se adaptando. Em função disso, uma nova leva de imigrantes, agora italianos, chega entre 1877 e 1878, na localidade de Val de Buia, hoje em Silveira Martins. A maioria é oriunda do norte da Itália, da região do Vêneto. Posteriormente, desembarcam também imigrantes do sul italiano, da Calábria.
De acordo com Jorge Alberto Soares Cruz, historiador e professor do Departamento de Arquivologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), os principais motivos que levaram a colonização do centro do RS pelo governo imperial foram os vazios demográficos e o branqueamento da população.
O incentivo da imigração para este espaço também está associado a um pedido, feito pela Câmara de Vereadores de Santa Maria, para analisar se as terras estavam aptas para receber e comportar os imigrantes. Uma das pessoas que intercedeu neste movimento foi o político Gaspar da Silveira Martins. Por essa razão, em 1878, após o assentamento dos primeiros imigrantes, a região, que até então era denominada como Núcleo Colonial de Santa Maria da Boca do Monte passa a ser chamada de Colônia Silveira Martins.
– Nós temos Silveira Martins como núcleo inicial que fica com o nome de toda a colônia. Leva esse nome em razão de Gaspar Silveira Martins que intermediou no processo e, também, porque ele era um grande defensor da imigração e da liberdade religiosa – explica Maria Medianeira Padoin, historiadora e professora da UFSM.
O início da fragmentação
Ao contrário das colônias da Serra gaúcha, que com a emancipação do governo imperial, formaram um único município cada uma, a Colônia de Silveira Martins, ao passar pelo mesmo processo, é dividida em três partes e entregue para a administração de Santa Maria, Cachoeira do Sul e Júlio de Castilhos.
– A partir de 1882, o governo imperial começa a emancipar as colônias e essas terras passam a ser distritos. Em torno de 1886, as terras vão ser desmembradas, sendo que parte delas vai pertencer à Santa Maria, outra à Vila Rica (Júlio de Castilhos) e uma última parte vai para Cachoeira (do Sul). Os territórios correspondentes, por exemplo, a Dona Francisca, Vale Vêneto, Faxinal do Soturno e São João do Polêsine vão pertencer a Cachoeira – relata Maria Medianeira.
Também em contrapartida às colônias da Serra, que receberam novos nomes, a colônia da Região Central tem uma nova denominação apenas no âmbito jurídico (5º distrito de Santa Maria). Segundo Maria Medianeira, um dos fatores que pode explicar isso é a questão política:
– Com a República, vamos ter a mudança de nomes das colônias, com exceção daqui que tinha um vínculo forte com a Monarquia. Então, temos a denominação de Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Garibaldi, todos vinculados à Revolução Farroupilha, de identidade regional. Essa região da Serra vai se desenvolver bastante e vai ter um vínculo muito grande com a questão republicana no Brasil.
Esta configuração do território começa a mudar apenas a partir de 1950, com a emancipação dos nove municípios que hoje compõem a Quarta Colônia.
A adoção do nome Quarta Colônia
O nome “Quarta Colônia” passou a ser utilizado a partir dos anos 1970, com as comemorações do centenário da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Nesta época, na tentativa de buscar uma identidade própria para a Região Central, o Padre Luiz Sponchiado começou a espalhar o termo ao retomar a ideia da chegada de um quarto núcleo colonial de imigração ao Estado.
– Todas as comemorações que temos do processo de imigração sempre se via muitas referências à essa região serrana e aqui (Quarta Colônia) sempre como a “prima pobre”. Então, em torno dos anos 70, quando se começam a fazer as comemorações dos 100 anos imigração italiana no RS, o padre Luiz Sponchiado, que é de Nova Palma, vai em um evento em Caxias do Sul para dar uma palestra explicando e retomando a imigração no centro do Estado. Ele vai dizer que lá também tem uma colônia imperial: a quarta colônia. Então, ele começa a usar esse termo para dizer que também temos uma colônia na Região Central – conta Maria Medianeira.
Além disso, como nessa época nem todos os municípios tinham conseguido se emancipar, na utilização desta denominação também permanecia a ideia de unificação da região.
– Quem criou essa ideia de Quarta Colônia, que, na verdade, representa uma identidade, foi o padre Luiz Sponchiado, em 1975, nas comemorações do centenário da Quarta Colônia. O padre também foi um dos grandes incentivadores dessa ideia de unidade na região da Quarta Colônia. A ideia dele era criar um único município, mas devido a divergências políticas, a região foi fragmentada em vários municípios – relata Jorge Alberto Soares Cruz.
A iniciativa em adotar um termo que traga uma identidade regional é ampliado posteriormente nos anos 90. Um dos principais atuantes, nesse sentido, foi José Itaqui. Na época, ele era secretário municipal de Silveira Martins.
– Itaqui cria um projeto de educação patrimonial em escolas para construir fóruns de discussão para o desenvolvimento dessa região porque eles percebem a baixa estima dessa população (com relação ao pertencimento enquanto Quarta Colônia) – explica Maria Medianeira.
Este projeto, denominado Projeto Regional de Educação Patrimonial (PREP), que funcionou entre 1994 e 2002, avança e é ampliado com a criação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (PRODESUS). O objetivo era, além de valorizar o patrimônio, promover um desenvolvimento sustentável, por meio do manejo adequado dos recursos naturais renováveis, da recuperação de áreas degradadas, do enriquecimento das florestas nativas, do fortalecimento da agricultura ecológica, e dos usos múltiplos do patrimônio natural e cultural.
Na tentativa de instrumentalizar a ação, concedendo maior integração e articulação entre os municípios para cumprir estes objetivos, foi criado, em 1996, o Consórcio de Desenvolvimento Sustentável (CONDESUS).
A partir do CONDESUS são desenvolvidos vários projetos. Um deles, o Geoparque Quarta Colônia, em parceria com a UFSM, está em fase de concretização e aguarda a visita da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Os geoparques são territórios onde é possível preservar a herança científica, cultural, paisagística, geológica, arqueológica, paleontológica e histórica e, a partir disso, promover o desenvolvimento sustentável.
De acordo com os especialistas, além do processo histórico, estas iniciativas, responsáveis pelo fortalecimento de uma identidade e valorização do patrimônio, também tornam-se essenciais para entender o porquê a região é chamada de Quarta Colônia.